No universo rico e diverso do Candomblé, há uma figura singular que representa a pureza, a alegria e o estado de espírito infantil: o Erê. Diferente de um Orixá, mas igualmente importante nas cerimônias religiosas, os Erês são entidades associadas ao estado de transição entre o mundo espiritual e o físico, manifestando-se nos iniciados após o transe com seus Orixás. Eles simbolizam a alegria de viver, o lado lúdico e inocente da vida, e desempenham um papel fundamental no fortalecimento da fé e conexão com os deuses e ancestrais. Este post se propõe a explorar a figura do Erê, sua simbologia, seu papel no culto e sua importância para os praticantes do Candomblé.
No Candomblé, o conceito de Erê é específico e desempenha um papel essencial no culto, representando a manifestação de um estado infantil que surge após o transe com o Orixá. Contudo, essa visão do Erê é particular ao Brasil e ao Candomblé; em África, a noção de Erê é compreendida de maneira diferente. No Brasil, todos têm um Erê, mas nem todos manifestam essa entidade durante as cerimônias.
O Erê é uma entidade sem gênero definido, acompanhando o sentimento do Orixá ao qual está ligado. O nome do Erê é geralmente dado pelo zelador ou zeladora, e tem uma conexão direta com o Orixá do iniciado. No Candomblé Ketu, o Erê é considerado uma ancestralidade infantil, cumprindo preceitos e acompanhando as necessidades do Orixá. Ele é o intermediário entre o Orixá e o ser humano, transmitindo mensagens quando o oráculo não é consultado.
O que é o Erê?
Erê, em termos simples, pode ser entendido como o espírito infantil que se manifesta após o iniciado receber o Orixá. No momento em que a pessoa entra em transe, o Orixá toma posse de seu corpo e, após o processo de incorporação, o Erê é quem se manifesta. Ele funciona como uma espécie de mensageiro do Orixá, uma entidade intermediária que traduz as vontades e mensagens do Orixá para o mundo material, de forma mais acessível e com uma linguagem mais próxima dos humanos.
No entanto, o Erê não deve ser confundido com o Orixá infantil, Ibeji. Enquanto Ibeji é um Orixá que representa a dualidade e o poder dos gêmeos, o Erê é uma manifestação de um estado de espírito infantil. Além disso, os Erês não são gêmeos e não têm uma forma fixa; cada pessoa possui um Erê único, que pode ter nome, gostos e comportamentos específicos. O Erê é uma entidade intermediária, assim como Exu, com personalidade complexa e comportamento infantil, frequentemente confundido com os Ibejis.
Na cultura de Matriz Africana, Erês são crianças ou espíritos infantes que simbolizam felicidade e a pureza do ser. Este artigo irá explorar a importância desse conceito e como ele pode impactar nossa visão sobre a vida.
A Personalidade do Erê
Os Erês são conhecidos por sua personalidade marcante. Eles são brincalhões, alegres e, muitas vezes, travessos. Essa natureza lúdica reflete uma das principais características do Erê: trazer leveza e alegria ao ambiente. Durante o xirê, ou roda de Orixás, é comum ver o Erê brincando, dançando de forma leve e descontraída, interagindo com as pessoas ao redor. Eles gostam de doces, brinquedos e objetos coloridos, o que muitas vezes faz com que suas festas sejam uma verdadeira celebração à infância.
No entanto, é importante ressaltar que, por trás dessa aparência alegre e descontraída, o Erê também possui uma sabedoria profunda. Embora se apresente de maneira infantil, ele carrega consigo mensagens importantes do Orixá. O Erê é responsável por cuidar dos detalhes que o Orixá deseja transmitir, seja em forma de conselho, orientação ou mesmo repreensão. Sua fala, apesar de infantil, é cheia de simbolismos e significados profundos para os iniciados e para a comunidade do terreiro.
O Papel do Erê no Candomblé
O papel do Erê no Candomblé vai além de sua função como mensageiro do Orixá. Ele também é visto como uma representação da pureza e da inocência. No momento em que o Erê se manifesta, há uma espécie de renovação espiritual, uma purificação da energia do iniciado e do ambiente ao redor. Por isso, sua presença é sempre bem-vinda e celebrada com muita alegria e reverência.
O Erê também tem um papel social importante. Ele é responsável por manter a ordem durante as cerimônias e festas, trazendo leveza e harmonia para o ambiente. Sua presença é uma lembrança de que, apesar das dificuldades e desafios da vida, é possível encontrar alegria nas pequenas coisas e manter o espírito leve e aberto para as bênçãos dos Orixás.
Outro aspecto importante é o caráter educativo do Erê. Por ser uma entidade que se manifesta de forma infantil, ele serve como exemplo para as crianças e jovens dentro da comunidade religiosa. Através do Erê, os mais novos aprendem sobre o respeito aos mais velhos, a importância da tradição e o valor da alegria e da brincadeira como formas de conexão com o sagrado.
Erê e a Cultura Afro-Brasileira
Dentro da espiritualidade afro-brasileira, o erê é um elemento essencial que traz alegria e leveza ao cotidiano. Ele não é apenas uma representação metafórica; é uma presença que deve ser cultuada e respeitada. Na visão de mundo de muitos praticantes, erês são associados a brincadeiras, risos e à liberdade de ser, características que devem ser redescobertas por todos nós enquanto buscamos a felicidade verdadeira.
Sincretismo e Confusões com Ibeji
A relação entre os Erês e os Ibejis é, por vezes, confundida no imaginário popular e até mesmo em algumas práticas do Candomblé. Ibeji é um Orixá que representa a dualidade e o poder dos gêmeos. No sincretismo religioso, Ibeji é comumente associado a São Cosme e São Damião, santos gêmeos da Igreja Católica, e sua festa é celebrada em 27 de setembro, data em que muitas casas de Candomblé realizam o famoso caruru.
A festa de Ibeji, embora celebrada com muito fervor, não deve ser confundida com a manifestação dos Erês. Como mencionado anteriormente, o Erê é um estado de espírito infantil, enquanto Ibeji é uma divindade em si.
Esse sincretismo, muitas vezes, leva à confusão entre as entidades. No entanto, é fundamental entender que, apesar de ambos estarem ligados ao universo infantil, suas funções e significados são diferentes. Os Ibejis têm uma forte ligação com a fecundidade, a proteção das crianças e a continuidade da vida, enquanto o Erê atua como um mensageiro e representante do Orixá no mundo físico.
A Diferença entre Erê e São Cosme e Damião
No Candomblé, muitas vezes há confusão entre o Erê e os santos católicos São Cosme e São Damião, especialmente devido ao sincretismo religioso. Embora ambos estejam relacionados ao universo infantil, suas origens, funções e significados são bastante distintos.
São Cosme e São Damião, por outro lado, são santos gêmeos da Igreja Católica, sincretizados com o Orixá Ibeji no Brasil. No Candomblé, Ibeji é o Orixá que representa os gêmeos e está associado à fertilidade e à proteção das crianças. Diferente do Erê, Ibeji é uma divindade cultuada com grande devoção, e sua festa é celebrada com o tradicional caruru em 27 de setembro.
Portanto, enquanto o Erê é uma manifestação de caráter infantil no Candomblé, São Cosme e São Damião são santos católicos que, no sincretismo religioso, foram associados ao Orixá Ibeji, mas não desempenham a mesma função que o Erê no contexto religioso afro-brasileiro.
A distinção entre Erê e Ibeji é fundamental para evitar erros interpretativos no culto e preservar as tradições do Candomblé
A Festa dos Erês
Assim como Ibeji, os Erês também são celebrados em diversas festividades no Candomblé. Durante essas celebrações, é comum a distribuição de doces, brinquedos e comidas típicas, como o caruru, para as crianças. O ambiente festivo reflete a alegria e a vitalidade que o Erê traz para o terreiro. As crianças, em especial, são o centro das atenções nessas festas, pois representam o futuro e a continuidade das tradições religiosas.
Durante o xirê, os Erês dançam, cantam e interagem com todos os presentes, criando uma atmosfera de comunhão e felicidade. É um momento de renovação espiritual, onde as energias do terreiro são purificadas e revitalizadas. A presença dos Erês também é uma oportunidade para que os iniciados possam se conectar de maneira mais íntima com seus Orixás, recebendo orientações e bênçãos para o futuro.
O Erê e a Importância da Alegria
A alegria é uma das características mais marcantes do Erê e um dos ensinamentos mais valiosos que ele transmite aos adeptos do Candomblé. Em um mundo cheio de desafios e adversidades, o Erê nos lembra que é possível encontrar felicidade nas pequenas coisas e que a vida deve ser vivida com leveza e gratidão. A sua presença nas cerimônias é um lembrete constante de que, apesar das dificuldades, a alegria e o amor devem estar no centro de nossas vidas.
Além disso, o Erê nos ensina sobre a importância de mantermos viva nossa criança interior. Em um mundo cada vez mais adulto e sério, o Erê nos convida a brincar, a sorrir e a nos reconectar com a pureza e a simplicidade da infância. Ele nos mostra que, ao cultivarmos esse lado lúdico e leve, conseguimos lidar melhor com os desafios da vida e nos tornamos mais abertos às bênçãos e orientações dos Orixás.
A alegria, como simbolizada pelo erê, desempenha um papel vital em nossa saúde mental e espiritual. Cultivar momentos de felicidade, riso e leveza é essencial para enfrentar os desafios diários. Assim como os erês nos ensinam a valorizar a simplicidade da vida e a beleza das pequenas coisas, é importante para nós buscarmos e celebrarmos a alegria em nossa jornada. A prática da alegria, inspirada nas lições dos erês, pode transformar nossa percepção e nos conectar mais profundamente com a essência da vida.
Conclusão
O Erê representa um estado de espírito, uma forma de viver a vida com alegria, leveza e gratidão. Sua presença no Candomblé é fundamental para a manutenção da harmonia e da pureza espiritual, além de ser um exemplo de como devemos encarar a vida: com o coração aberto, o espírito leve e a alma em festa.
Ao celebrarmos o Erê, estamos celebrando a alegria de viver, a pureza da alma e a conexão profunda com o sagrado. Que possamos sempre aprender com sua sabedoria infantil e viver com a leveza e a alegria que eles nos ensinam, honrando nossos Orixás e mantendo viva a chama da fé e da tradição.